Polo Cultural → Arte → Política Cultural → Manifesto da Cantareira
A Zona Norte - mais de duzentos bairros onde convivem aproximadamente dois milhões de habitantes - foi durante muito tempo conhecida pelos antigos moradores de São Paulo como a parte da “cidade” de São Paulo que estava além do Rio Tietê, distante do chamado “Centro” que hoje corresponde aos bairros centrais. Inicialmente foi uma área caracterizada pela ocupação de sitiantes de origem luso-espanhola sem muitos atrativos que os outros bairros mais urbanizados ofereciam.
A intensa e desordenada urbanização do pós-Guerra, com expansão de áreas comerciais, industriais e residenciais, também alcançou esta região até que trombasse no seu limite geográfico natural que é a Serra da Cantareira, hoje ocupada em alguns pontos e protegida por leis ambientais. Mesmo transformada numa área de grande comércio e circulação de bens e serviços, a Zona Norte continua à margem da produção artística e cultural presente no outro lado do rio. Tal atividade é esporádica e com pouca ou nenhuma infra-estrutura para a importância que esta região representa para a grande São Paulo.
Onde ficam o teatro, a dança, os shows de música popular? Onde os espaços para a prática e o desenvolvimento dos artistas locais? Tão ou mais importante do que o difícil acesso aos bens culturais, outra face da mesma exclusão se esconde na falta de oportunidade para a prática artística e cultural como construção do humano e do cidadão.
Vivemos neste fim de século grandes transformações sócio-econômicas em que novos parâmetros científicos e dúvidas substituem os grandes modelos teóricos tradicionais. Hoje mais do que nunca percebemos uma grande carência da maioria da população, seja urbana ou rural, de novas formas de acesso aos bens culturais e de uma formação artístico-cultural que possibilite extravasar toda a sua energia criativa e, porque não, sua crítica e resistência cultural. Daí a necessidade de uma política cultural que atenda às demandas específicas da população moradora da zona norte, e de suas novas gerações repletas de criatividade e ávidas por novas oportunidades sociais e opções culturais em sua própria região. A criação de um novo polo cultural na zona norte trará não somente uma resposta para as demandas culturais e de integração comunitária da região, mas também se constituirá num novo ponto de referência cultural e centro de criação artística para toda a cidade de São Paulo.
A realização deste importante projeto cultural no menor tempo possível contribuirá para que os paulistanos da zona norte dêem uma resposta à carência cultural pela qual esta cidade passa, pois será um ambiente que além do enriquecer as manifestações artísticas também será um espaço urbano lúdico, mais democrático e de integração das diversas comunidades da região.
Os educadores sabem que o fazer artístico e cultural permite a descoberta e a construção de si mesmo e do outro. Na brincadeira do faz-de-conta, no espelho da criação artística está o prazer de representar, redescobrir, reconstruir o mundo. Música, dança, pintura, escultura, literatura, teatro, caminhos para a criança, o adolescente, o adulto, a terceira idade. Caminhos que a cidade grande quer engolir. Não se trata apenas do acesso à produção artística e cultural, mas da possibilidade de se encontrar com o outro e consigo mesmo para fazer arte-cultura, como prática individual e coletiva para estar no mundo.
Conhecer e ouvir a comunidade local será um ponto de partida para atender às suas expectativas sobre suas próprias necessidades culturais e promover com sucesso atividades artísticas e culturais que facilitem uma interação da comunidade com o polo cultural.
Esta iniciativa democrática visa abrigar num mesmo espaço as manifestações artísticas-culturais do trabalho amador da nossa gente e o produto cultural de profissionais de todas as áreas da cultura, criando um local com credibilidade e legitimidade onde a participação é a porta aberta para que as manifestações artísticas ajudem na construção de uma sociedade brasileira mais criativa, justa e livre. É esse sonho que se quer construir na Zona Norte: um polo cultural onde os moradores possam ver o trabalho de artistas queridos, um espaço de criação para artistas locais, um local de encontro para os moradores se exercitarem na construção de si mesmos e de uma sociedade mais justa e mais humana. Horto Florestal de São Paulo, 19 de setembro de 1998